
Esquemas de fraude, liminares e contratos superfaturados transformam o home care em negócio lucrativo às custas do Judiciário e dos cofres públicos.
por Daniel Trindade
O home care, ou atendimento domiciliar, foi criado para garantir dignidade e qualidade de vida a pacientes que necessitam de acompanhamento contínuo fora do hospital. Na prática, porém, o que deveria ser sinônimo de acolhimento humano se transformou, em muitas regiões do Brasil, num mercado paralelo que movimenta milhões de reais, alimentado por laudos médicos, decisões judiciais e empresas especializadas em faturar alto com internações em casa.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, operações como Home Cash e False Care expuseram uma rede criminosa que envolvia médicos, enfermeiros, advogados e empresários. O esquema era bem estruturado: laudos falsos, orçamentos inflados, liminares concedidas rapidamente e contratos superfaturados pagos com dinheiro público. A estimativa é que só no IPE-Saúde, plano dos servidores gaúchos, o prejuízo tenha ultrapassado R$ 37 milhões, com gastos dobrando de um ano para o outro. Enquanto isso, pacientes ficavam desassistidos ou recebiam cuidados muito abaixo do que constava nos relatórios.
Em Mato Grosso do Sul, outro estado que ilustra o problema, o Tribunal de Justiça recebeu 40 ações só em 2023 pedindo home care para casos que variavam de crianças com paralisia cerebral a adultos tetraplégicos. O valor por paciente chegava a R$ 370 mil por ano. Para tentar reduzir a dependência de liminares, o governo estadual criou o programa “Cuidando em Casa”, com repasses mensais entre R$ 11 mil e R$ 30 mil, mas as prefeituras ainda não aderiram, deixando famílias reféns do Judiciário.
Em Mato Grosso, a realidade não é diferente. O atendimento domiciliar público é limitado a algumas equipes do programa “Melhor em Casa”, que existe em poucos municípios, como Cuiabá. Quem precisa de suporte mais complexo, como UTI domiciliar, quase sempre recorre a um advogado. O resultado é uma enxurrada de ações judiciais: um único processo pode obrigar o governo ou um plano de saúde a arcar com contas que ultrapassam R$ 30 mil por mês por paciente. Para ter ideia, casos como o do adolescente Marcos, que ficou tetraplégico, ilustram a fila de mais de 200 pacientes que dependem de decisões judiciais para receber cuidados em casa.
Planos de saúde, por sua vez, denunciam que fraudes no setor de home care e em outros procedimentos geram um rombo de mais de R$ 20 bilhões por ano em todo o país, elevando o valor das mensalidades em até 33%. Isso acontece porque muitos contratos de planos não incluem internação domiciliar prolongada, mas decisões judiciais obrigam as operadoras a pagar mesmo sem cobertura contratual. E como não existe padronização, qualquer laudo médico pode abrir caminho para liminares concedidas em questão de horas.
Para tentar conter os abusos, o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais Estaduais recomendam aos juízes que consultem pareceres técnicos de núcleos de apoio especializados (NatJus), avaliem o ambiente familiar, verifiquem o grau de dependência do paciente e validem se o prestador de serviço é realmente habilitado. Apesar disso, a pressão emocional de familiares, associada à agilidade do Judiciário em decisões de urgência, faz com que na prática muitas liminares sejam concedidas sem investigação profunda.
Especialistas em regulação da saúde e gestores públicos apontam uma saída : fortalecer programas como o “Melhor em Casa”, garantir equipes multidisciplinares, expandir o acesso pelo SUS e criar protocolos claros de quando o home care deve ser indicado. Além disso, intensificar a fiscalização sobre empresas e profissionais que atuam no setor, para que a saúde não seja transformada em commodity judicial.
Hoje, o Brasil convive com um paradoxo. De um lado, a judicialização do home care garante a vida e a dignidade de quem não encontra resposta no SUS. De outro, virou um negócio rentável para atravessadores que conhecem as brechas da lei, inflacionam custos e sobrecarregam os cofres públicos e privados. O maior prejudicado é sempre o mesmo: o paciente comum, que poderia ser atendido de forma mais justa, rápida e transparente se o sistema fosse bem regulado.
Quando o cuidado se torna moeda para enriquecer grupos oportunistas, o propósito do home care se perde. É preciso restabelecer o equilíbrio : usar o atendimento domiciliar como ferramenta de acolhimento, não como fonte de lucro fácil alimentado por liminares e laudos duvidosos. Só assim o Brasil poderá garantir saúde com dignidade e não transformar doença em mercadoria.
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Daniel Trindade
Editor-Chefe do Portal de Notícias
Ativista Social|Jornalista MTB 3354 -MT
Estudante Bacharelado em Sociologia
Defensor da Causa Animal em Sinop -MT
Tutor do Stopa "O Cão Mascote"