
Foto: Reprodução
Por Daniel Trindade
“Quando me abriram, tinha 3 litros de sangue podre na minha barriga. O médico constatou que estava lacerado meu reto, bexiga e ovário. Ele falou para minha família que eu só tinha 1% de chance de viver.”
O relato dramático é de Juscelia Lopes, moradora de Sinop, que em julho de 2024 foi submetida a uma histerectomia no Hospital Municipal de Terra Nova do Norte, distante 154 km de sua cidade. O que deveria ser um procedimento de rotina quase lhe custou a vida.
“Tive infecção generalizada, meus rins começaram a parar. Tive fungos pelo corpo e quase perdi a visão. Fiquei em coma por vários dias. Minha sorte foi que eu tenho uma irmã enfermeira que morava em Cuiabá e que correu atrás de uma UTI para mim. Tive que ir sedada mais de cinco vezes durante o voo, de tão grave que era meu quadro. Se não fosse por minha irmã, eu não estaria aqui para contar a história.”
Nas últimas semanas, o Deixa Que Eu Te Conto identificou um padrão alarmante: moradores de Sinop são encaminhados para procedimentos cirúrgicos em Terra Nova do Norte, muitas vezes à margem do sistema oficial de regulação, e retornam com graves complicações que precisam ser tratadas em sua cidade de origem.
Juscelia não é um caso isolado. Em junho de 2024, Eloa dos Santos Metzdorf, moradora de Terra Nova do Norte, também buscava uma histerectomia. “Estava regulada, aguardando para realizar uma histerectomia no Regional de Peixoto de Azevedo. Ao procurar a regulação, uma profissional sugeriu que eu procurasse a técnica de enfermagem Josi, que poderia agilizar e realizar a cirurgia em Terra Nova mesmo. Em menos de uma semana, eu já estava no centro cirúrgico.”
O procedimento, aparentemente simples, rapidamente se transformou numa experiência traumática. “Nas fichas que preencheram no pré-cirúrgico, eu esclareci que não podia tomar plasil ou dramim porque passo muito mal com eles. Antes de me sedarem, Dr. Vânio mandou colocar dramim em meu soro mesmo ouvindo uma auxiliar ler que eu não poderia”, relata.
“Além da dor insuportável, fiquei em um estado mental apavorante. Fiquei irreconhecível! Quase 24 horas variando”, lembra Eloa. “Passei dois meses com dores insuportáveis. Passaram-se 9 meses e há dias que ainda sinto muita dor. Tive que fazer 4 tratamentos com antibiótico nos primeiros 40 dias, gastar com exames e consultas particulares.”
Entre janeiro e abril de 2025, o número de casos aumentou significativamente, com histórias de pacientes que sofreram perfurações de órgãos, infecções generalizadas e até mesmo uma gravidez não detectada após uma laqueadura.
Em 28 de janeiro de 2025, Francismar Ribeiro, morador de Sinop, foi operado para tratar uma hérnia em Terra Nova do Norte. Seu encaminhamento não seguiu o caminho convencional do Sistema Único de Saúde.
“No dia 23 de janeiro, minha esposa comentou com uma cliente na loja, Edna Mara de Baco Nogueira, que estava preocupada, pois há dias eu estava reclamando de dores, que suspeitamos que poderia ser hérnia. Imediatamente ela ligou para a assessoria do vereador Gilsimar Silva (MDB), de Sinop, onde nos falaram que no dia 28/01 haveria cirurgia em Terra Nova, e que poderia colocar meu nome na lista.”
Os exames pré-operatórios foram superficiais. “Questionei sobre exames e ultrassom. A assessoria do vereador Gilsimar me passou os exames para fazer particular, e falaram que não teria necessidade de ultrassom. Em mensagens, sua assessoria nos enviou endereço do local onde iria sair a van com pacientes, porém fui de carro próprio para o município com exames em mãos, sem nenhum papel de regulação do município de Sinop.”
As consequências foram devastadoras. “Acordei de sonda. Questionei a equipe, Dr. Reinaldo Della Pasqua disse que na retirada da hérnia poderia ter perfurado minha bexiga.” A situação piorou rapidamente. “Após três dias, fui levado ao Hospital Santo Antônio em Sinop, fui internado na emergência, com muitas dores, sacro muito inchado. Após avaliação médica, tive que fazer uma cirurgia de emergência – as vísceras tinham descido para o sacro, sangue na pelve e bexiga perfurada. Foram 12 dias de internação, 2 cirurgias realizadas de emergência.”
No mesmo dia 28 de janeiro, Erli Rodrigues Cemin realizou uma frenuloplastia pelo SUS no Hospital de Terra Nova do Norte. Quase três meses depois, ele ainda sofre com as complicações. “Uma cirurgia que era para ser simples deu monte de complicação. Uma cirurgia para ser simples, agora quando eu vou trabalhar começa a inchar”, relata Erli em vídeo compartilhado com nossa reportagem.
A Declaração CMR 53.2025, emitida pela Central Municipal de Regulação de Sinop em 14 de abril, confirma que Francismar “não deu entrada em nenhum procedimento, seja ele ambulatorial e/ou hospitalar, nos últimos 12 meses” no sistema oficial de regulação do SUS (SISREG).
Este documento contradiz diretamente a afirmação do vereador Gilsimar Silva (MDB) que, quando consultado pelo Deixa Que Eu Te Conto, declarou que “todos os pacientes passam regularmente pelo sistema de regulação do SUS” e que seu gabinete apenas “facilita o contato entre os cidadãos e o sistema de saúde, dando orientações sobre o processo.”
Em fevereiro de 2025, Júlia Vougado, 22 anos, mãe de três crianças e moradora de Sinop, passou por uma laqueadura em Terra Nova do Norte. Semanas depois, descobriu estar grávida. “Pela contagem da ultrassom, no dia da cirurgia eu já estava de três semanas. Um beta HCG teria detectado isso facilmente!”, questiona. “Sinto muitas dores na cirurgia por forçar muito para vomitar o dia inteiro. Já estourou dois pontos por dentro! Tenho três crianças pequenas, a mais nova com apenas um ano e três meses. Até hoje nem sequer uma mensagem para saber se estou bem, quem dirá consulta. Agora precisei buscar ajuda psicológica porque não sei como vou sustentar mais um filho.”
Em março de 2025, Aline Kreutzfelt, 23 anos, também de Sinop, decidiu fazer uma laqueadura seguindo o caminho formal. “No final do ano de 2024 eu procurei minha UBS para solicitar a laqueadura, fizeram toda documentação e me orientaram a levar os papéis na regulação do CIAMS. Fiz isso e esperei me ligarem.”
Após a cirurgia em Terra Nova do Norte, começaram os problemas. “No dia 25/03 uma moça que se identificou como Tifane entrou em contato marcando a retirada dos pontos no CEM, onde segundo ela viria um médico. Mas chegando lá não era médico e sim o Paulo, que até onde sei não é médico e sim um assessor!”
A tentativa de retirada dos pontos resultou em complicações. “Um dos nós do meu ponto entrou para dentro e mesmo assim ele insistiu em retirar daquele jeito, o que acabou me machucando por dentro. Eu senti muita dor e queimava no momento em que ele puxava, até que eu pedi para parar e ele cortou o fio até onde ele conseguiu tirar.”
O que se seguiu foi ainda mais surpreendente. “No dia 5 de abril, Paulo me informou que estava vindo para Sinop acompanhado de um cirurgião. Ele chegou na minha casa por volta das 7:30/8 horas da noite acompanhado do Dr. Vânio. Vânio me aplicou uma anestesia local e retirou o fio que havia ficado dentro. Segundo ele, estava infeccionado.”
O atendimento ocorreu em condições improvisadas, na própria residência da paciente. “Ele perguntou para o Paulo na hora se ele havia trazido o fio de dar ponto, mas como não trouxe, ele disse que marcariam um horário no CEM. Se tivesse o fio, ele me daria os pontos na minha casa mesmo e no meu sofá. Inclusive uma familiar minha utilizou a luz do celular para clarear a cirurgia, não sendo suficiente meu marido trocou a lâmpada da sala.”
Após esse atendimento, Aline recebeu uma receita de amoxicilina assinada pelo médico Vânio Jordani, atual Secretário Municipal de Saúde de Sorriso, em papel timbrado da empresa SOS-Saúde. Dois especialistas consultados pela reportagem consideraram a dosagem do antibiótico prescrito inadequada para o caso.
A medicação não impediu o agravamento da infecção. Em 9 de abril de 2025, Aline foi internada na UPA de Sinop com quadro de septicemia – uma infecção generalizada que pode ser fatal. Os médicos que a atenderam relacionaram diretamente o quadro infeccioso às complicações pós-cirúrgicas e ao manuseio inadequado da ferida operatória.
Dias após o procedimento em sua casa, Aline recebeu uma ligação inesperada: “Na segunda-feira, dia 7, me liga no meu celular o vereador Gilsimar. Eu nunca vi esse homem na minha vida, eu não sei nem de onde que ele é, se ele é da minha cidade, se ele é de Terra Nova. Eu fui ver foto dele porque tive que pesquisar no Google quem era esse homem.”
Segundo ela, o vereador tentou intervir na situação. “Ele me ligou simplesmente falando, ‘olha, para quando você precisar daquilo, me falaram de você’, como se ele tivesse uma baita intimidade comigo. Eu não sei nem de onde que ele tirou o meu número de telefone.”
Outro detalhe intrigante envolve a clínica para onde Aline foi orientada a ir após as complicações. “Ele disse que um médico cirurgião (Dr. Reinaldo) estava vindo de Cuiabá e passaria por Sinop junto a ele, e que eles iriam me dar os pontos na segunda. Novamente ele pediu para que eu fosse na Medclin, até me ofereceu carona.”
Causa estranheza que a paciente tenha sido orientada a buscar atendimento justamente na clínica Medclin, onde o atual Secretário Municipal de Saúde de Sinop, Horodovaldo Miranda, mantém atendimento como médico.
Outro elemento que chama atenção é a conexão entre o Dr. Vânio Jordani e a empresa SOS Serviços Médicos (SOS-Saúde). Além da receita fornecida a Aline em papel timbrado desta empresa, a reportagem identificou que, usando o CNPJ da mesma empresa, o Dr. Vânio fez uma doação de R$ 410,00 à vaquinha online organizada pela família de Francismar Ribeiro para custear seu tratamento após as complicações.
Embora nos registros oficiais a empresa SOS-Saúde apareça em nome de Paulo Oliveira da Silva, o próprio vereador Gilsimar Silva confirmou em entrevista à nossa reportagem que a empresa pertence ao atual secretário de Saúde de Sorriso. “Um amigo meu e vou citar ele aqui, Dr. Vânio ganhou o contrato, o pregão lá em Terra Nova, e eu dou assessoria para os pacientes”, afirmou o parlamentar, deixando clara a relação entre o médico e a empresa, apesar de esta estar registrada em nome de outra pessoa.
Paulo Oliveira da Silva, que consta como proprietário da SOS-Saúde nos documentos oficiais, é descrito por diversas fontes como “braço direito” de Vânio, sendo o mesmo que compareceu à casa de Aline junto com o médico na noite de 5 de abril.
“Depois das complicações, precisei fazer uma vaquinha online para pagar os exames e tratamentos, porque ninguém resolvia pelo SUS”, conta Francismar. “Fiquei surpreso quando vi que o próprio Dr. Vânio tinha feito uma doação. Por um lado achei legal, por outro, fiquei pensando: por que doar dinheiro em vez de resolver meu problema pelo sistema público?”
Em 16 de abril de 2025, Luiz Vagner Golembiouski procurou espontaneamente nossa redação para esclarecer: “Minha empresa Medclin da Avenida das Figueiras não está mais operando e não possui relação com procedimentos em Terra Nova. Existe outra Medclin na Avenida André Maggi, mas sem qualquer vínculo comigo ou com meu CNPJ.”
Diante da gravidade dos casos relatados, o Deixa Que Eu Te Conto enviou uma série de questionamentos detalhados a todas as autoridades e instituições envolvidas. As perguntas foram encaminhadas por e-mail entre os dias 11 e 12 de abril de 2025, mas nenhuma resposta foi recebida até o fechamento desta reportagem.
Ao Dr. Vânio Jordani, questionamos sobre o atendimento realizado na residência da paciente Aline, as condições em que este procedimento foi realizado, sua relação com a SOS-Saúde, e a prescrição de medicação em dosagem considerada inadequada. Perguntamos também como ele, na condição de secretário de saúde de Sorriso, explica seu envolvimento com o caso de uma paciente de Sinop operada em Terra Nova do Norte.
À Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso, solicitamos explicações sobre o fluxo de regulação de pacientes entre Sinop e Terra Nova do Norte, o credenciamento do Hospital Municipal de Terra Nova do Norte para os procedimentos realizados, e se mantém registros no SISREG dos pacientes citados. Questionamos ainda quem são os responsáveis técnicos pelos encaminhamentos e se a secretaria tem conhecimento de outras complicações similares.
Para a Secretaria Municipal de Saúde de Sinop, enviamos 12 perguntas sobre os motivos de encaminhar pacientes para procedimentos a 154 km de distância, protocolos de acompanhamento, recursos destinados ao tratamento das complicações, e a existência de vínculos com as empresas privadas mencionadas nos relatos dos pacientes. Solicitamos também documentos de regulação referentes aos pacientes Aline Kreutzfelt e Francismar Ribeiro.
À Secretaria Municipal de Saúde de Terra Nova do Norte, questionamos sobre os critérios para recebimento de pacientes de outros municípios, estrutura disponível, protocolos de acompanhamento e gestão de complicações. Perguntamos especificamente sobre os procedimentos realizados nos pacientes que relataram problemas e os profissionais responsáveis pelos atendimentos.
O silêncio das autoridades contrasta com a gravidade dos relatos e as evidências documentais reunidas pela reportagem.
Nossa investigação continua, porque entendemos que os cidadãos de Sinop, encaminhados para procedimentos cirúrgicos em outro município e que retornam com graves complicações, merecem explicações. Por que são submetidos a deslocamentos de mais de 150 km? Por que os procedimentos não são realizados em Sinop? Quem é responsável por garantir a segurança e o acompanhamento adequado desses pacientes?
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Hospital de Terra Nova realiza cirurgia em paciente de Sinop sem registro no SISREG, revela documento
EXTRATO DE CONTRATO DA PREFEITURA DE TERRA NOVA DO NORTE COM A SOS SERVIÇOS MÉDICOS E RECEITA EMITIDA PELO DR VANIO JORDANI PARA PACIENTE ALINE, BEM COMO COMPROVANTE DE PIX PARA O PACIENTE FRANSCISMAR:


PÁGINA DO FACEBOOK ONDE INDICA QUE O DR HOROVALDO MIRANDA ATENDE NA MEDCLIN (para onde tentaram direcionar a paciente Aline Kruetfeld com complicações cirurgicas):
RECEITA, ATESTADO E PEDIDO DE EXAMES DO PACIENTE FRANSCISMAR RIBEIRO DA SILVA ASSINADOS PELO DR. VÂNIO JORDANI:
E-MAILS COM SOLICITAÇÕES DE ESCLARECIMENTO A SES/MT, SMS DE SINOP E SMS DE TERRA NOVA DO NORTE:
0 Gmail - Solicitação de posicionamento_ Regulação de pacientes entre Sinop e Terra Nova do Norte 1Gmail - URGENTE_ Solicitação de posicionamento - Encaminhamentos e complicações cirúrgicas em Terra Nova do Norte Gmail - URGENTE_ Solicitação de posicionamento - Encaminhamentos e complicações cirúrgicas em Terra Nova do NorteFOTOS DE COMPLICAÇÕES CIRÚRGICAS ENCAMINHADAS À NOSSA REDAÇÃO:
SÉRIE DE TRANSMISSÕES AO VIVO FEITAS PELO PORTAL DE NOTÍCIAS DEIXA QUE EU TE CONTO ACERCA DAS DENÚNCIAS:
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Daniel Trindade
Editor-Chefe do Portal de Notícias
Ativista Social|Jornalista MTB 3354 -MT
Estudante Bacharelado em Sociologia
Defensor da Causa Animal em Sinop -MT
Tutor do Stopa "O Cão Mascote"