
Comportamento que vai do dia a dia a grandes tragédias revela como a negação de erros destrói relações, empresas e até a confiança social.
por Daniel Trindade
Negar erros é uma prática mais comum do que se imagina. Em casa, no trabalho e até nas redes sociais, muitas pessoas, quando confrontadas por uma falha evidente, preferem negar a própria participação e transferir a responsabilidade para terceiros. Frases como “não fui eu”, “você entendeu errado” ou “a culpa é de outro” são conhecidas de todos nós. O problema é que, quando esse comportamento se torna padrão, ele passa a corroer a confiança, fragilizar vínculos e comprometer até instituições inteiras.
A psicologia explica parte desse fenômeno. Mecanismos como a negação e a projeção funcionam como defesas do ego contra a vergonha, a culpa ou o medo da punição. Em alguns casos, quando o padrão é intenso e persistente, pode estar associado a transtornos de personalidade, como o narcisismo, em que admitir erros é visto como intolerável porque ameaça a autoimagem. Mas, na maioria das vezes, não se trata de doença, e sim de uma escolha ética. Ao negar o erro conscientemente, a pessoa busca apenas preservar a própria imagem, ainda que isso signifique manipular fatos e prejudicar os outros.
O Brasil tem exemplos marcantes de como a recusa em assumir a culpa pode ter efeitos devastadores. Em 2015, o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, deixou 19 mortos e causou o maior desastre ambiental da história do país. Durante anos, as empresas envolvidas foram criticadas por tentarem minimizar sua responsabilidade, alegando causas externas, como supostos abalos sísmicos, embora as investigações apontassem falhas graves de manutenção e gestão de risco. O mesmo ocorreu em 2019, em Brumadinho, quando outra barragem da Vale se rompeu e matou 272 pessoas. Mais uma vez surgiram tentativas de suavizar responsabilidades, apesar dos documentos técnicos que já alertavam para fragilidades estruturais. Esses episódios revelam como a cultura do “não fui eu” pode custar vidas, além de destruir comunidades inteiras.
Os estudos acadêmicos também ajudam a entender esse comportamento. Uma pesquisa brasileira com 311 pessoas mostrou que indivíduos que acreditam ter pouco controle sobre o que acontece em suas vidas, o chamado locus de controle externo, sentem mais culpa e ansiedade em situações de mentira. Essa percepção de serem vítimas das circunstâncias aumenta a tendência de adotar desculpas para não assumir responsabilidades. O problema se reflete também em crenças culturais. Em levantamento do Ipea de 2014, um terço dos entrevistados concordava com afirmações que culpabilizavam a própria vítima em casos de violência sexual. A chamada “culpabilização da vítima” evidencia como a transferência de responsabilidade está enraizada até em situações graves, em que o reconhecimento da culpa seria fundamental para a justiça.
As consequências dessa postura são profundas. Nas relações pessoais, a recusa em assumir erros gera ressentimentos e corrói a confiança. No ambiente corporativo, impede que equipes aprendam com falhas e bloqueia oportunidades de melhoria. No espaço público, abala a credibilidade de autoridades, empresas e instituições, alimentando desconfiança e descrença coletiva.
Superar essa cultura exige coragem. É preciso criar ambientes seguros em que erros possam ser reconhecidos sem punições desproporcionais, ao mesmo tempo em que se garantem mecanismos de responsabilização e reparação. Só assim é possível romper o ciclo tóxico da mentira e da transferência de culpa, que fragiliza tanto o convívio pessoal quanto a vida pública.
Como escreveu Carlos Drummond de Andrade, “a cada instante de nossas vidas, temos que escolher entre duas atitudes: uma é fugir, a outra é enfrentar”. Assumir erros é escolher enfrentar, e apenas dessa forma é possível cultivar relações de confiança, construir instituições sólidas e avançar como sociedade.

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Daniel Trindade
Editor-Chefe do Portal de Notícias
Ativista Social|Jornalista MTB 3354 -MT
Consultor Político
Estudante Bacharelado em Sociologia
Defensor da Causa Animal em Sinop -MT
Tutor do Stopa "O Cão Mascote"







