Apenas quatro ministros expõem os compromissos diários de maneira regular; regulamento interno do STF não obriga a divulgação das agendas, mas especialistas alertam que falta de transparência fere a Constituição; procurada Corte não se manifestou
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) esconde as agendas de seus encontros e eventos diários. Cinco dos 11 ministros divulgaram suas atividades, sendo que apenas quatro deles fizeram registros regulares no site do STF. Procurada, a Corte não se manifestou.
Analisando as agendas dos ministros do STF do período de janeiro de 2023 a abril de 2024. O ministro Dias Toffoli, por exemplo, divulgou somente oito dias de compromissos entre 1º e 23 de fevereiro de 2023, e então abandonou a publicidade de seus atos. Essa mudança de comportamento fez com que somente Edson Fachin, Cármen Lúcia, Crisitiano Zanin e o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, passassem a figurar entre os que assiduamente informam os compromissos dos quais participam.
Fachin é o ministro mais constante na divulgação de audiências. O magistrado registrou compromissos na agenda do STF em 201 dias. O presidente do STF divulgou seus afazeres em 154 dias, sendo 100 deles já como presidente. Barroso assumiu o comando da Corte em setembro do ano passado.
A estrutura da Presidência faz com que os ministros que ocupam esse posto divulguem diariamente as suas atividades, algo que nem sempre é mantido quando eles deixam a posição. Luiz Fux, que também ocupou o cargo, divulgava as agendas diárias regularmente quando era presidente, mas parou de reportar os compromissos assim que deixou o cargo em setembro de 2022.
Outro nome que faz a divulgação regular de suas atividades é a ministra Cármen Lúcia. Foram reportados compromissos em 148 dias durante o período analisado. O ministro Zanin tornou públicas as suas agendas em 99 dias desde que vestiu a toga de ministro em agosto do ano passado. Já o ministro Flávio Dino, outro recém-chegado ao STF, não divulgou nenhuma vez sua agenda de compromissos em dois meses na Corte.
Assim como Dino, os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Gilmar Mendes, André Mendonça e Kassio Nunes Marques não informam as reuniões que mantiveram no período analisado.
A Constituição determina que a “administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União (…) obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Já o Código de Ética da Magistratura estabelece que a atuação dos magistrados deve ser norteada pelo princípio da transparência, sendo proibido, por exemplo, que um juiz atenda apenas uma das partes de um processo.
Para a diretora de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji, os magistrados ferem a Constituição ao ocultar as suas agendas e impedir o controle social de suas atividades. Ela cita, por exemplo, a impossibilidade de defesa e acusação identificarem tratamento desigual de um ministro no número de audiências. Outro ponto destacado por ela é a possibilidade de os magistrados incorrerem em situações de conflito de interesses sem que ninguém saiba e possa fazer as cobranças devidas. O Estadão procurou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mas não teve retorno.
“Esse fato é bastante grave se você considera que o STF é o guardião da Constituição. Atenta contra a própria Lei de Acesso à Informação (LAI), que é a regulamentação de um direito da Constituição que determina que as informações sobre atos e ações de órgãos públicos devem ser publicizadas sem que ninguém deva pedir ativamente”, disse.
O presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, reforça que a divulgação dos compromissos dos ministros está diretamente associada ao princípio da publicidade. Ele destaca ainda que seria “saudável e agregaria valor à imagem dos ministros” construir um código de ética e um sistema autorregulatório para o tribunal. Em novembro do ano passado, a Suprema Corte dos Estados Unidos criou um código de ética específico para controlar as viagens dos juízes.
“Eu penso que é absolutamente necessário, razoável, que a sociedade tenha a expectativa de conhecer essas agendas”, disse. “Conhecer a agenda dos agentes públicos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário é um direito do cidadão. Apesar de não haver um regramento expresso sobre os despachos cotidianos dos ministros, é razoável fazer uma interpretação associando o código da magistratura ao princípio da publicidade, e é um dever dos ministros tornar públicas essas agendas”, completou.
Num caso recente de falta de transparência, os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Alexandre Moraes não informaram que passariam ao menos três dias em Londres, na Inglaterra, para participar do “1º Fórum Jurídico – Brasil de Ideias”. O evento, organizado pelo Grupo Voto, também reuniu membros do governo federal. A presidente da organização é a cientista política Karim Miskulin, que em 2022 promoveu o almoço do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com 135 empresárias, em São Paulo.
O Grupo Voto não informou abertamente quem são os seus patrocinadores, tampouco se foram convidados agentes do setor privado que possam ter interesse em ações que tramitam no STF. A instituição diz que a sua missão é promover “diplomacia empresarial e relações institucionais”, sob o slogan: “Há 20 anos fomentando a união dos setores público e privado em busca de um Brasil mais competitivo”.
Diferentemente do STF, o Poder Executivo está submetido a uma lei que impõe uma série de protocolos às autoridades para coibir situações de conflito de interesse. Desde 2013, vigora a lei que obriga os agentes públicos a “divulgar, diariamente, por meio da rede mundial de computadores – internet, sua agenda de compromissos públicos”. Esse texto culminou na criação da plataforma e-agendas pela Controladoria-Geral da União (CGU), que reúne as agendas de todos os integrantes do governo federal.
A ausência de um protocolo semelhante no STF permitiu, por exemplo, que os ministros André Mendonça, Nunes Marques e Gilmar Mendes tivessem “agendas secretas” com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em contextos de acirramento das tensões entre o Executivo federal e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante as eleições de 2022. Foram ao menos três encontros de Bolsonaro com esses magistrados naquele ano. As reuniões só vieram a público por causa da quebra do sigilo telemático do ex-ajudante de ordens da Presidência Mauro Cid pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro.
Outro encontro que só se tornou público depois de ocorrido foi a audiência do senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) com o decano Gilmar Mendes no início de abril, quando o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) ainda não tinha encerrado o julgamento do parlamentar por suspeita de abuso de poder econômico nas eleições de 2022. A reunião não foi divulgada pelo ministro nem pelo senador e só se tornou conhecida após apurações de veículos da imprensa.
Num caso semelhante ocorrido no dia 15 de abril, os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin jantaram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na casa do decano do STF. Nenhum deles divulgou o encontro na agenda do STF.
Naquele mesmo dia, Zanin informou ter tido quatro audiências, mas não fez menção ao jantar com o chefe do Executivo, que o indicou para o cargo na Corte. O magistrado registrou que um dos encontros foi com o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), e com a senadora Tereza Cristina (PP-MT), que foi ministra da Agricultura do governo Bolsonaro. A reportagem procurou o gabinete de Zanin, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
A partir das agendas é possível saber, por exemplo, que Zanin se reuniu na última terça-feira, 23, com a ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge, que concorre à vaga de ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A candidata também visitou o gabinete de Cármen Lúcia no dia 17 de abril. A falta de transparência impede que os cidadãos monitorem o périplo de pessoas interessadas em vagas no Poder Judiciário pelos gabinetes dos ministros.
Marina Atoji, diretora da Transparência Brasil, afirmou que cabe a Barroso alterar as regras de divulgação de agendas para tornar o procedimento obrigatório. Ela explicou que a Corte poderia editar uma resolução sobre o tema ou ainda elaborar uma emenda ao regimento interno para regulamentar a LAI. Ainda de acordo com a diretora, o Conselho Nacional da Justiça (CNJ) também tem competência para propor a regulamentação do assunto e estender as regras a todos os tribunais do País.
“O presidente do Supremo tem um papel muito importante de propor uma emenda regimental. O ministro Barroso poderia ter um papel de liderança ao estabelecer esta regra”, destacou Roberto Livianu. “Quem é financiado pelo dinheiro público tem dever de accountability (transparência).”
A reportagem questionou a Presidência do STF, por meio da Secretária de Comunicação do tribunal, mas não obteve retorno se há estudos para tornar obrigatória a divulgação das agendas dos ministros.
Fonte: Estadão
Daniel Trindade
Editor-Chefe do Portal de Notícias
Ativista Social|Jornalista MTB 3354 -MT
Estudante Bacharelado em Sociologia
Defensor da Causa Animal em Sinop -MT
Tutor do Stopa "O Cão Mascote"