
“Hospitais, estradas e serviços de saúde passam às mãos de terceiros enquanto o governo transfere responsabilidades e o cidadão fica sem saber a quem cobrar.”
Artigo escrito por Daniel Trindade
O governo de Mato Grosso vive uma mudança de rota que mexe diretamente com a vida da população: em vez de fortalecer a estrutura pública, tem transferido responsabilidades para empresas, organizações sociais de saúde e consórcios intermunicipais. Na prática, o Estado deixa de ser executor direto de serviços essenciais e passa a atuar principalmente como pagador e regulador de contratos, muitas vezes distantes do controle do cidadão comum.
Na saúde, essa transferência de responsabilidades aparece de forma explícita. O Hospital Regional de Sinop, referência para toda a região Norte, está em processo de saída das mãos diretas do governo estadual e de entrada na gestão de um consórcio formado por prefeitos, o Consórcio de Saúde Vale do Teles Pires. O convênio com o Estado foi anunciado com previsão de assumir efetivamente a unidade em 2025, depois de concluídos os trâmites burocráticos e licitações. A proposta divulgada prevê que o consórcio contrate diretamente os profissionais, sem vínculo com carreira pública, em um modelo que prioriza contratação flexível e metas de desempenho.
Esse movimento não é isolado. Consórcios intermunicipais de saúde como o Vale do Juruena, o Médio Norte, o Oeste e o Sul mato-grossense já realizam, há alguns anos, a compra regionalizada de consultas, exames especializados, serviços médicos e até apoio à assistência farmacêutica, em contratos que contam com repasses regulares do Fundo Estadual de Saúde. Em 2022, por exemplo, o CIS Oeste e o consórcio da Região Sul receberam valores mensais do Estado para ofertar consultas e exames especializados como serviços complementares à rede do SUS. Na prática, em vez de contratar diretamente profissionais e estruturar serviços em hospitais e policlínicas próprios, o governo compra “pacotes” de atendimento por meio de consórcios e entidades, pulverizando a responsabilidade sobre a oferta e a qualidade do serviço.
Ao mesmo tempo, a Secretaria de Estado de Saúde mantém uma Coordenadoria de Consórcios de Ações e Serviços de Saúde justamente para fomentar esse modelo. A própria missão oficial desse setor é incentivar a cooperação intermunicipal regionalizada, garantindo que consórcios assumam parte da gestão e organização dos serviços de saúde É uma escolha de desenho de política pública: em vez de concentrar a responsabilidade diretamente na estrutura estadual, o governo distribui tarefas e contratos para consórcios e parceiros, mantendo o comando político e financeiro, mas compartilhando e, muitas vezes, diluindo a cobrança por resultados.
A presença de terceiros na gestão da saúde também avança por meio das organizações sociais de saúde. Hospitais como o Regional de Cáceres, o Hospital Metropolitano em Várzea Grande e o novo Hospital Central de Alta Complexidade, em Cuiabá, foram direcionados para modelos de contrato de gestão com entidades privadas ou filantrópicas, que assumem o gerenciamento, a operacionalização e a execução dos serviços. Enquanto isso, o Estado aparece como “parceiro” que repassa valores milionários e fiscaliza metas, mas não responde mais sozinho pelo dia a dia da unidade. Em caso de falhas, filas, falta de profissionais ou interrupção de serviços, a responsabilidade é dividida: um pouco é do governo, um pouco é da OSS, um pouco é do consórcio.
Fora da saúde, a lógica é semelhante. Rodovias estaduais estão sendo concedidas em blocos de centenas de quilômetros, com contratos de até 30 anos e previsão de bilhões em investimentos privados. O discurso oficial fala em modernização, redução de custos e melhoria na qualidade das estradas, mas o resultado concreto para o usuário é a combinação de pedágios, dependência de concessionárias e pouca margem para intervenção pública rápida caso o serviço não corresponda às necessidades das comunidades atendidas. Os principais aeroportos do estado também foram concedidos à iniciativa privada, colocando nas mãos de empresas decisões estratégicas sobre infraestrutura, tarifas e prioridades de investimento.
Os consórcios intermunicipais, em tese, são instrumentos legítimos de cooperação entre municípios para fortalecer o SUS e otimizar recursos. Estudos sobre a regionalização da saúde em Mato Grosso mostram que esse modelo começou ainda na década de 1990, com experiências pioneiras como o consórcio da região do Teles Pires. O problema é quando o consórcio deixa de ser apenas uma ferramenta complementar e passa a funcionar como escudo político: o Estado transfere a gestão de hospitais inteiros, os prefeitos assumem uma estrutura complexa sem experiência consolidada em administração hospitalar e, no meio disso, o cidadão fica sem saber a quem cobrar quando a cirurgia atrasa, quando o exame não sai ou quando a UTI está lotada.
Ao optar por consórcios, organizações sociais e concessões como regra, e não como exceção, o governo Mendes muda a cara do serviço público em Mato Grosso. A administração direta vai encolhendo, enquanto crescem contratos com terceiros, muitas vezes com contratação de pessoal fora das carreiras públicas e sob regras trabalhistas mais frágeis. O Estado continua financiando, mas compartilha a responsabilidade política e operacional com uma teia de entidades e empresas.
Nada disso significa, por si só, que o serviço será pior ou melhor. Mas significa, sim, que a população precisa estar atenta: quem decide hoje sobre o hospital onde você é atendido? Quem define o preço do pedágio na estrada que você usa diariamente? Quem controla a compra de medicamentos e de consultas especializadas para a sua região? Quando a gestão é pulverizada, a cobrança tende a se perder no meio do caminho.
Ao adotar consórcios, organizações sociais e empresas privadas como gestoras de serviços essenciais, o governo transfere não apenas tarefas, mas também parte do peso político dessas decisões. O Estado continua financiando boa parte da estrutura, mas divide a execução com terceiros que não foram eleitos e que nem sempre têm transparência compatível com o interesse público. Para a população, isso significa um cenário em que é cada vez mais difícil identificar quem realmente responde pelos problemas do dia a dia: quando falta médico, quando o exame atrasa, quando a estrada está abandonada ou quando o hospital muda de gestão, a responsabilidade se dilui. No fim das contas, a pergunta que precisa ser feita é simples: o governo está fortalecendo o serviço público ou está apenas repassando suas obrigações, deixando o cidadão sem um responsável claro a quem cobrar?

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Daniel Trindade
Editor-Chefe do Portal de Notícias
Ativista Social|Jornalista MTB 3354 -MT
Consultor Político
Estudante Bacharelado em Sociologia
Defensor da Causa Animal em Sinop -MT
Tutor do Stopa "O Cão Mascote"







